Mostra Ecofalante de cinema chega a Salvador com 33 filmes

Filmes premiados internacionalmente, títulos assinados por prestigiados cineastas brasileiros, longas-metragens inéditos no país, obras da “mãe do cinema africano” Sarah Maldoror, debates com ativistas, cineastas e especialistas, sessões para estudantes e para o público infantil.

Estas são algumas das principais atrações da Mostra Ecofalante de Cinema – Bahia 2023, agendada de 12 a 23 de abril no Cine Metha – Glauber Rocha, Sala Walter da Silveira e mais 17 espaços culturais e educacionais na cidade de Salvador, com entrada franca. Até o mês de maio, as exibições alcançam a Região Metropolitana, nas cidades de Camaçari (24 a 29 de abril) e Dias D’Ávila (24 de abril a 06 de maio). Já o Recôncavo da Bahia receberá a Mostra no segundo semestre, com sessões em Cachoeira (31 de julho a 9 de agosto) e Cruz das Almas (31 de julho a 10 de agosto).

Considerada como um dos maiores festivais do Brasil e o mais importante evento audiovisual sul-americano dedicado a temas socioambientais, a Mostra Ecofalante de Cinema chega na Bahia trazendo filmes inéditos e destaques da edição 2022 do festival.

Exibindo um total de 33 filmes, representando 16 países, o festival promove ainda projeções em 19 espaços culturais e educacionais da cidade. Três debates completam a grade: “O Futuro da Energia” (em 18/04), “Racismo Ambiental” (19/04) e “Direito à Mãe Terra” (20/04).

Na sessão de abertura para convidados, em 12 de abril, a atração é o longa-metragem paulista “A Invenção do Outro”, de Bruno Jorge, que retrata a expedição comandada pelo indigenista Bruno Pereira na Amazônia para encontrar e estabelecer o primeiro contato com um grupo de indígenas isolados da etnia dos Korubo. O filme conquistou, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, os prêmios de melhor filme, fotografia, montagem e edição de som. A cerimônia de abertura contará com a participação dos cineastas Bruno Jorge, Aurélio Michiles e Jorge Bodanzky, que também estarão presentes em sessões de seus filmes durante o evento.

Alguns dos mais prestigiados cineastas brasileiros têm suas mais recentes realizações incluídas na programação. Amazônia, A Nova Minamata?”,  do consagrado diretor Jorge Bodanzky, acompanha a saga do povo Munduruku para conter o impacto destrutivo do garimpo de ouro em seu território ancestral. De Vincent Carelli e Tatiana “Tita” Almeida, “Adeus, Capitão” tem registros colhidos ao longo de várias décadas sobre um líder do povo indígena Gavião e encerra uma trilogia de filmes iniciada com o premiado “Corumbiara”. Vencedor do Prêmio APCA de melhor longa-metragem do ano, “Segredos do Putumayo”, de Aurélio Michiles, recupera uma investigação sobre as denúncias de crimes contra comunidades indígenas cometidos na selva amazônica pela empresa britânica Peruvian Amazon Company. A produção brasileira inédita “Vento na Fronteira”, de Laura Faerman e Marina Weis, também trata da questão indígena. O filme mostra a luta do povo Guarani-Kaiowá pelas suas terras, na região do Mato Grosso do Sul, que são objeto de disputa de grandes proprietários rurais. 

O evento traz dez filmes internacionais inéditos no Brasil. Com direção de Jesse Short Bull e Laura Tomaselli, a produção norte-americana Nação Lakota Contra os Estados Unidos narra a jornada dos indígenas Lakota para recuperar Black Hills, local sagrado que foi tomado à força pelo governo norte-americano; co-dirigido por um cineasta lakota, o filme é um retrato marcante e oportuno da resistência, que explora as maneiras pelas quais a América ignorou sua dívida com as comunidades indígenas e pondera o que pode ser feito hoje para reparar os erros do passado. Já a produção belga Amianto: Crônica de um Desastre Anunciado, de Marie-Anne Mengeot e Nina Toussaint, reconstitui através de um rico material de arquivo o período crucial no uso do amianto naquele país, causa de doenças e mortes. Por sua vez, o francês “Amor e Luta em Tempos de Capitalismo” tem como protagonista o casal de sociólogos Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot, conhecidos por sua pesquisa de cinco décadas sobre desigualdade e o universo dos ultra-ricos. O britânico “A Máquina do Petróleo”, de Emma Davie, explora nosso complexo envolvimento econômico, histórico e emocional com o petróleo à medida que avançamos rumo ao colapso climático. Outro filme britânico, “Uma História de Ossos”, de Joseph Curran e Dominic Aubrey de Vere, retrata a descoberta, na remota ilha de Santa Helena – local onde Napoleão Bonaparte morreu no exílio – de uma antiga vala comum onde foram encontrados os restos de mais de oito mil “africanos libertos” e a jornada da consultora de patrimônio ambiental e cultural namibense Annina, que luta pela dignidade dessas mulheres, homens e crianças que também passaram seus últimos dias na ilha, mas cuja memória ainda precisa ser reconhecida.

Entre os filmes internacionais premiados estão “Delikado”, coprodução EUA/Filipinas/Reino Unido/Austrália/Hong Kong dirigida por Karl Malakunas que venceu o Prêmio Futuro Sustentável no Festival de Sydney. Nele, as comunidades indígenas de uma ilha tropical são afetadas por práticas corruptas e pela busca de recursos naturais. Já o norte-americano Filhos do Katrina, de Edward Buckles Jr., foi vencedor do prêmio de novo documentarista no Festival de Tribeca ao propor um olhar íntimo sobre as consequências do furacão Katrina e seu impacto na juventude de Nova Orleans. Uma coprodução França/Alemanha/Mali dirigida por Bouba Touré e Raphaël Grisey, “Xaraasi Xanne – Vozes Cruzadas” foi contemplado com o Prêmio Louis Marcorelles e o prêmio do júri jovem no importante festival Cinéma du Réel, na França. A obra recupera a aventura exemplar de uma cooperativa agrícola fundada no Mali por trabalhadores imigrantes, e lança luz sobre a violência da agricultura colonial e os desafios ecológicos na África hoje.

Herdeira da The Walt Disney Company, a cineasta e ativista social Abigail Disney é codiretora (com Kathleen Hughes) de O Sonho Americano e Outros Contos de Fadas, impactante longa-metragem selecionado para o Festival de Sundance que denuncia a condição precária em que vivem e trabalham os empregados dos parques da Disney e analisa a economia disfuncional e desigual dos EUA, onde o “sonho americano” mostra-se, na verdade, bastante seletivo. Outro filme-denúncia, a produção norte-americana dirigida por Matthieu Rytz “Deep Rising – A Última Fronteira” informa que o destino do último deserto intocado do planeta, o oceano profundo, está sob ameaça quando uma organização secreta está prestes a permitir a extração maciça de metais do fundo do mar para resolver a crise mundial de energia. 

Questões ligadas à negritude e ao racismo estão presentes em diversos títulos da Mostra Ecofalante de Cinema – Bahia 2023. Merece destaque a exibição de dois títulos assinados por Sarah Maldoror, a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem na África e considerada “a mãe do cinema africano”.  Sarah Maldoror (1929-2020) tem sua filmografia, composta por mais de 40 obras, reverenciada como exemplo de cinema militante. Na programação está “Sambizanga (1972), longa-metragem duplamente premiado no Festival de Berlim, que é exibido em cópia restaurada sob os auspícios da Film Foundation, entidade voltada à preservação de filmes criada pelo diretor Martin Scorsese. A obra focaliza a figura de Domingos Xavier, operário angolano e ativista anticolonial que foi preso e torturado até à morte, em 1961, pela polícia política portuguesa. Já em “Uma Sobremesa para Constance, produção de 1980, Maldoror utiliza a comédia para tratar do tema da imigração africana e do racismo em território francês, num momento em que este assunto começava a ganhar amplitude e seu enfrentamento tornava-se incontornável. 

Por sua vez, “Diálogos com Ruth de Souza” refaz a trajetória pioneira dessa atriz que enfrentou o racismo e abriu portas para outras atrizes negras no teatro, televisão e cinema no Brasil, a partir de materiais de arquivo e de conversas com a diretora da obra, Juliana Vicente (de “Racionais: Das Ruas de SP pro Mundo”). Já “Exu e o Universo”, de Thiago Zanato, foi vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival do Rio e do prêmio do público para documentário brasileiro na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O filme ajuda a entender como Exu, divindade das religiões de matriz africana, começou a ser visto como o diabo no Brasil. 

Segundo o realizador do curta carioca “Ser Feliz no Vão”,  Lucas H. Rossi dos Santos, o filme é “um ensaio preto sobre trens, praias e ocupação de espaço”. Ele ganhou o prêmio de público da Mostra Ecofalante 2022. Outro premiado do ano passado, o carioca “Rolê – Histórias dos Rolezinhos”, de Vladimir Seixas, trata de maneira crítica e irreverente do movimento que levou jovens de periferia a se reunir e fazer intervenções em shopping centers no Brasil. Ele foi merecedor de menção honrosa do júri oficial.

Ainda entre os títulos programados estão outros vencedores da edição de 2022 da Mostra Ecofalante de Cinema. É o caso do pernambucano “O Bem Virá”, de Uilma Queiroz, eleito o melhor longa-metragem da competição latino-americana do evento, sobre a luta de mulheres pela sobrevivência no Sertão do Pajeú. O melhor curta-metragem da mesma competição foi o paraense Mensageiras da Amazônia: Jovens Munduruku Usam Drone e Celular para Resistir às Invasões, de Joana Moncau, Elpida Nikou e Coletivo Audiovisual Munduruku Daje Kapap Eypi, que registra ações para proteger a Amazônia e defender o território de invasores, sobretudo de madeireiros e garimpeiros. Já o mineiro “Lavra”, de Lucas Bambozzi, que conquistou o prêmio do público, investiga as consequências do maior crime ambiental do Brasil. 

Ainda entre os destaques da Mostra Ecofalante 2022 está o filme Montanha Dourada, da cineasta baiana radicada no Amapá, Cassandra Oliveira. Ela mostra a atraente e cruel realidade implicada na recente corrida do ouro na Amazônia, através de histórias contadas por pessoas que cruzam o Brasil para trabalhar nos garimpos da região. Da diretora Susanna Lira, a Mostra apresenta “A Mãe de Todas as Lutas”, sobre a trajetória de Shirley Krenak e Maria Zelzuita, mulheres que estão à frente da luta pela terra no Brasil. 

Vencedor do prêmio do público e prêmio especial do júri no Festival de Sundance e eleito melhor documentário no Festival de São Francisco, o indiano Escrevendo Com Fogo, de Rintu Thomas e Sushmit Ghosh, destaca o primeiro e único jornal diário da Índia dirigido por mulheres. Melhor documentário no Festival de Hong Kong, o francês Uma Vez Que Você Sabe, de Emmanuel Cappellin, alerta: segundo cientistas, a oportunidade de evitar mudanças climáticas catastróficas já passou. Já os diretores Camilla Becket e James Becket mostram em As Sementes de Vandana Shivacomo a filha obstinada de um conservador florestal do Himalaia se tornou o pior pesadelo da multinacional de agricultura e biotecnologia Monsanto. Por meio de entrevistas com especialistas e pelas lentes da geração nascida entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010, Geração Z, de Liz Smith, explora como a revolução digital está impactando nossa sociedade, nosso cérebro e nossa saúde mental. Para tentar responder à pergunta “quem são as pessoas por trás dos trabalhos online?”, a coprodução Canadá/França The Gig Is Up: O Mundo É uma Plataforma, de Shannon Walsh, reuniu histórias silenciadas de trabalhadores envolvidos nessa revolução em um surpreendente filme.

Produção dedicada ao público infantil da Mostra Ecofalante de Cinema – Bahia 2023 e programada com apoio da Embaixada da França no Brasil, a animação “A Viagem do Príncipe”, dirigida por Jean-François Laguionie e Xavier Picard, mostra as aventuras e os preconceitos enfrentados por um príncipe numa terra estrangeira, de cultura e hábitos diferentes e que se construiu em oposição à natureza. Premiada na Alemanha, a obra esteve na programação do prestigioso Festival de Roterdã.

Debates

Três debates trazem discussões urgentes que concernem sociedades do mundo todo e particularmente o Brasil: transição energética e crise climática; a desigualdade social e o racismo ambiental dela decorrente – algo que a intensificação dos fenômenos climáticos evidencia cada vez mais; e a questão do direito à terra dos povos tradicionais. Os três eventos acontecem na sala Walter da Silveira e têm como mediador o educador e ambientalista Eduardo Mattedi. 

Em 18/04, terça-feira, às 20h00, acontece o debate “O Futuro da Energia”. Eliminar nossa dependência dos combustíveis fósseis e efetuar a passagem para as energias renováveis são ações urgentes, mas essa constatação não dá conta da complexidade das questões que envolvem o tema. Há muitos outros aspectos sociais e econômicos a serem levados em conta. Esses e outros desafios serão discutidos nesse debate. Participam do evento Renan Andrade, ativista e coordenador de planejamento estratégico da 350.org Brasil; Guiomar Germani,  Doutora em Geografia, pesquisadora do CNPq e líder do Grupo de Pesquisa GeografAR e Fernando Pessoa, Doutor em Engenharia Química, professor titular do CIMATEC. O debate acontecerá imediatamente após a exibição do filme inédito A Máquina do Petróleo, às 18h30.

“Racismo Ambiental” é o tema do debate agendado para 19/04, quarta-feira, às 20h00. A intensificação dos fenômenos climáticos extremos tornou mais evidente a desigual repartição dos ônus e bônus do chamado desenvolvimento econômico e mostrou que a vulnerabilidade tem viés racial. Nesse debate será discutido como essas questões estão amparadas pelo conceito de Racismo Ambiental. Participam do encontro Julio Rocha, Diretor da Faculdade de Direito da UFBA, Marta Rodrigues Vereadora da Câmara Municipal de Salvador e especialista em Direitos Humanos, e Agnaldo Pataxó Hã-hã-hãe, do MUPOIBA (Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia). O filme exibido logo antes do debate será o inédito Filhos do Katrina, às 18h30.

Na quinta-feira, 20/04, às 20h00, acontece o debate  “Direito à Mãe Terra”. O reconhecimento do acesso à terra como um direito, seja por meio da demarcação das terras dos povos originários ou do assentamento de reforma agrária, encontra oposição constante nos modelos de desenvolvimento adotados no país. Pode a lógica do agronegócio e da exploração de recursos passar por cima de garantias constitucionais? Integram a mesa Mãe Donana e Rose Meire, do  Quilombo  Quingoma Kingoma e Rio dos Macacos, respectivamente; o ativista e ambientalista Cacique Juvenal Payayá, e Marcelino Galo, engenheiro agrônomo, superintendente da ALBA. O debate acontecerá logo após a exibição do filme brasileiro A Mãe de Todas as Lutas – que será exibido junto com os curtas Mensageiras da Amazônia e Autodemarcação Já!, às 18h00.

Parcerias com o setor educacional da Bahia

Fiel à sua missão de difundir as potencialidades da linguagem cinematográfica para sensibilizar e conscientizar as novas gerações para as questões socioambientais, a Mostra Ecofalante também prevê que seus filmes estejam presentes em um circuito universitário e organiza sessões para estudantes de ensino médio, técnico e fundamental das redes estaduais e municipais de educação. 

Entre as instituições que recebem o evento estão a Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Instituto Federal da Bahia (IFBA), Universidade Católica do Salvador (UCSal), Centro Universitario Estácio da Bahia e Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE). Além disso, a Mostra terá sessões nos colégios estaduais Rômulo Almeida, Vila Canária, Pedro Marques e Marques, Barros Barreto e Daniel Comboni.

Os filmes exibidos nesse contexto fazem parte do Programa Ecofalante Universidades, que tem como objetivo levar obras audiovisuais de impacto para dentro das instituições  de ensino. O programa conta com uma plataforma gratuita de filmes (https://play.ecofalante.org.br/) disponíveis para educadores e professores. Todo educador vinculado a uma instituição de ensino pode se cadastrar, visionar filmes e agendar sessões gratuitas para seus alunos por meio do site.

Evento gratuito

Acontece de 12 a 23/04

Programação ocupa as telas do Cine Metha – Glauber Rocha, da Sala Walter da Silveira e de mais 17 espaços culturais e educacionais da cidade

* debates discutem o futuro da energia, racismo ambiental e o direito à terra dos povos originários

* obras de Sarah Maldoror, a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem na África

* títulos assinados por Jorge Bodanzky, Aurélio Michiles, Lucas Bambozzi e Susanna Lira

* filmes premiados nos festivais de Berlim, Sundance, Tribeca, Rhode Island, Hong Kong, Cinéma du Réel, Sydney, Brasília, Olhar de Cinema e Festival do Rio

*  formações para professores, sessões para estudantes e programas infantis 

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