Caruru marca tradição dos santos Cosme e Damião
O caruru, prato tradicional das festas de Cosme e Damião, celebradas dia 27 de setembro, tem muita história para contar. Aliás, sequer se resume somente a um prato, mas acumula ancestralidade e um contexto de celebrações. Especialista em alimentação e cultura, o professor da Escola de Nutrição da UUBA e pós-doutor pela Unesp, Vilson Caetano, afirma que o caruru veio mesmo da África e sofreu uma série de sincretismos com o passar tempo.
Ele aponta que os indígenas que viviam no Brasil já cozinhavam uma receita similar ao caruru africano, chamado “caruru de folhas”, que pode ser feito com taioba ou bredo-de-santo-antônio – esta última planta, aliás, também é conhecida como caruru.
Já as celebrações a Cosme e Damião começaram durante o período colonial e o sincretismo fez com que os santos católicos fossem venerados também entre o povo de santo, em referência aos orixás Ibejis, também conhecidos como erês ou orixás crianças.
Apesar do mesmo nome, há uma diferença entre o caruru aos Ibejis, no candomblé, e a comida baiana. “O caruru aos Ibejis reúne as comidas de todos os orixás, por isso, além do caruru, precisa ter vatapá, arroz branco, feijão preto, inhame, milho branco, acarajé, abará, cana, xinxim de galinha, banana frita e farofa de dendê. Como são erês, ou seja, crianças, tem que ter pipoca, rapadura e balas, de preferência de mel”, explica Angélica Moreira, ekedi do Ilê Axé Opó Afonjá.
Mudança na tradição
Por falar em fé, foi também por causa dela que o caruru de aniversário da feira das Sete Portas diminuiu. Com quase 80 anos, a Feira foi inaugurada justamente em um dia 27 de setembro e, é claro, teve muito caruru para comemorar. O pai de Amerina de Aguiar Rocha, a Dona Meri, de 87 anos, foi quem fundou o espaço. “Antigamente, todos os proprietários de lojas na feira se reuniam para fazer um caruru grande, que era distribuído para quem quisesse”, conta Dona Meri, que hoje administra o espaço.
Agora, Dona Meri explica que a tradição do caruru das Sete Portas anda bastante reduzida. “O que acontece hoje é que as coisas mudaram. Muitos donos de boxes aqui são evangélicos e não admitem que a festa de Cosme e Damião aconteça nas áreas comuns da feira. Então, o que antes reunia centenas de pessoas, hoje concentra algumas dezenas”, explica.
Atualmente, o caruru do lugar é feito para os funcionários de Dona Meri, no andar de cima da feira. “Mas, isso não significa que seja um evento fechado. Todos estão convidados a subir e, também, a comparecer na missa que fazemos todos os anos na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos”, diz.
Quando questionada sobre as mudanças na tradição do caruru, a exemplo da variação vegana, Dona Meri, com senso de humor, rebate: “Próximo ano, vou fazer feijoada, porque dá menos confusão”.