Luiz Melodia tem álbum ao vivo inédito lançado pela Sony Music
A voz de mel de Luiz Melodia se calou prematuramente em 2017. O cantor tinha apenas 66 anos, mas sua obra de intérprete e compositor de blues, samba, rock, soul e jazz sobrevive de forma indelével ao tempo.
A prova disso é o delicioso repertório do show “Estácio vivo”, realizado no Teatro Rival (RJ) em 1998, que a Sony Music presenteia os fãs do artista neste mês da Consciência Negra, o disponibilizando nas principais plataformas de streaming (ouça aqui). Neste show que virou álbum, ele é acompanhado por Renato Piau (violão, guitarra e vocais), Jorjão Barreto (teclados) – ambos também responsáveis pelos arranjos -, Élcio Cafro (bateria) e Aluízio Veras (contrabaixo).
O repertório é uma oportunidade das melhores para se fazer um passeio por toda a trajetória deste talentoso músico, cria do Morro de São Carlos, no Estácio. Melodia foi descoberto quando estava com apenas 20 anos pelos poetas Torquato Neto e Waly Salomão. Este último, também produtor, que por sua vez, apresentou sua canção “Pérola negra” à Gal Costa, que teve a primazia de lhe lançar como compositor no antológico show “Gal a todo vapor”, mais conhecido como “Fa-tal”, em 1971, no Teatro Thereza Rachel, templo da contracultura carioca. O álbum duplo da cantora com a íntegra do show consagrou o belo blues do rapaz que dali a dois anos batizaria seu primeiro disco solo, e obviamente não poderia estar de fora deste show “Estácio vivo”. Ainda de seu primeiro trabalho solo são lembrados no presente álbum “Farrapo humano” e “Magrelinha”, mais dois clássicos instantâneos de sua lavra autoral.
Melodia sempre foi um artista indomável, anárquico no quesito liberdade, que não abria mão de ter autonomia sobre seu trabalho, daí a razão de ter longos hiatos entre um álbum e outro e ter registrado sua obra nas mais diversas gravadoras brasileiras de sua época, num tempo em que a maioria dos artistas assinava longos contratos. Assim, de seu segundo álbum, “Maravilhas contemporâneas” (1976), lançado somente três anos depois do primeiro, algo raríssimo em sua geração, ele pinçou “Congênito”, uma crítica à sociedade de consumo, lançada por Vanusa um ano antes, então no auge da fama. Do terceiro LP, “Mico de circo” (1978), é lembrada a canção de belos contornos sensuais “Onde o sol bate e se firma”. A seguir, em 1980, o álbum “Nós” trazia o clássico funkeado “Mistério da raça”, dele com Ricardo Augusto, de alta voltagem positiva: “Luz é vida / Pulsação”, que volta renovado nesta nova versão ao vivo.
Da década de 1980, Melodia recriou neste show “O sangue não nega” e o blues “Que loucura” – composto pelo colega de geração Sérgio Sampaio, lançado por este em seu segundo álbum, “Tem que acontecer” (1976), sobre um “doente do coração”, internado num hospício lotado de outros com enfermidade semelhante. Elas foram registradas pelo cantor, respectivamente, em seus quinto e sexto álbuns, “Felino” (1983) e “Claro” (1987).
Vieram os anos 1990, com o hit “Cara a cara”, dele com seu violonista Renato Piau, aquele em que a musa aparece de calcinha preta em sua frente e lhe deixa “louco”, “de careta”, sendo lançado no CD “Pintando o sete” (1991) e agora mais uma vez revisitado. Melodia registrou mais três álbuns nesta década e logo a seguir, “Retrato do artista enquanto coisa” (2001), do qual ele antecipava neste show de 1998 diversas canções: “Lorena”, dele com Renato Piau e o filho Mahal, “Esse filme eu já vi”, outra parceria com seu fiel violonista Piau; “Gotas de saudade”, dele com o guitarrista baiano Perinho Santana, também falecido precocemente, em 2012; “Quizumba”, dele com Cara Feia, e “Levanta a cabeça”, pérola do sambista carioca Osvaldo Nunes (com Ivan Nascimento) lançada originalmente por este no Carnaval de 1969.
A seguir, em 2002, viria o CD “Luiz Melodia convida”, no qual registrava pela primeira vez a autoral (e suingada) “Objeto H” e o clássico samba-canção “Palhaço” (Nelson Cavaquinho/Oswaldo Martins/Washington Fernandes), lançado por Dalva de Oliveira nos idos de 1951, em meio à polêmica musical de seu ex-marido Herivelto Martins, que à época causou uma grande polêmica, principalmente porque Herivelto havia sido em sua juventude literalmente palhaço de circo: “Sei que é doloroso um palhaço / Se afastar do palco por alguém (…) Sei que choras palhaço, por alguém que não te ama…”. Essas duas também ele já mostrava neste show.